Portador da síndrome de Asperger estuda biomedicina

DENISE MOTA
colaboração para a Folha de S.Paulo

“Excêntrico”, “tímido”, “antissocial”. Aos 26 anos, Leonardo Ferraz de Castro Araújo sabe que seu modo de ser provoca estranheza, e os epítetos que recebe não são novidade para o recifense, estudante de biomedicina na Universidade Federal de Pernambuco e diagnosticado há seis anos como portador da síndrome de Asperger.

“Sinto-me uma pessoa normal, com minhas idiossincrasias, não como alguém com um transtorno que deva ser debelado a todo custo”, afirma.

A síndrome de Asperger foi descrita em 1944, mas somente há 15 anos é reconhecida oficialmente. Trata-se de um transtorno do desenvolvimento caracterizado por deficit na sociabilidade. Os áspergueres –ou “aspies”, como eles se definem– têm geralmente interesses restritos por certas áreas do conhecimento ou temas, dificuldade em se adequar a condutas sociais entendidas como normais e linguagem “sem atraso, porém repetitiva e formal”, como enumera Letícia Amorim, psiquiatra e mestre em psicologia pela USP.

A síndrome de Asperger pode ser entendida como uma espécie de autismo, uma vez que esse problema é compreendido atualmente pela medicina como uma disfunção comportamental em que os sintomas variam de acordo com o comprometimento cognitivo, conforme explica a psiquiatra.

Manter uma vida social é um dos grandes desafios dos “aspies”, e é nisso que Leonardo vem se empenhando e avançando, ainda que seus patamares sejam considerados “insuficientes para a maioria das pessoas”, como constata. Além de almejar uma melhoria em termos pessoais, o estudante se esforça para combater “o famoso estereótipo do autista inepto” ou “em seu próprio mundo”. “O autismo não denota uma vida fadada ao fracasso nem à exclusão”, diz.

À tarde, ele frequenta aulas na universidade e sessões com uma psicóloga que o acompanha há um ano e meio. Mas sua rotina é variável. Se, há algum tempo, uma simples mudança de sala podia lhe provocar tremores e taquicardia, hoje é a manutenção dos mesmos afazeres, horários e itinerários o que o exaspera.

Mas, apesar de estar mais tolerante às pequenas novidades que pontuam o cotidiano, situações ou mesmo detalhes aos quais não está habituado ainda lhe causam mal-estar. “Recentemente, uma lâmpada foi trocada na minha casa e fiquei importunado por vários dias porque a cor da luz é diferente.”

Além da consciência de suas limitações e características –“me comunico melhor por e-mail e sou verborrágico [ao escrever]”, avisou logo ao ser convidado para falar sobre a síndrome para a Folha, por exemplo–, uma marca de Leonardo é a sinceridade.

“Meus principais problemas são a socialização muito pobre e a pouca comunicação verbal. Falo muito pouco e, quando falo além do normal, incorro naqueles problemas de não esperar a vez do outro, por exemplo”, descreve. “Com a idade superei em muito meus problemas da síndrome, mas a socialização ainda me deixa frustrado. Os poucos amigos que souberam de minha condição foram os da faculdade, e sempre fui tratado como normal.”

Respostas

O estudante tem uma irmã mais nova, “perfeitamente normal”, e diz receber apoio diário dos pais, tios e avós, apesar de a síndrome gerar mais instabilidade “do que uma relação entre pais e filhos ditos normais”.

Pelo fato de se caracterizar por sinais, e não por exames específicos ou marcadores biológicos, detectar o problema depende da observação da família e da perícia profissional. Uma vez diagnosticado, o ideal é que os pais “tentem compreender as peculiaridades” de seus filhos, “potencializar suas habilidades e driblar suas dificuldades”, aconselha Amorim.

“A principal característica é o deficit na interação social por terem dificuldade de perceber que os outros são diferentes deles e que têm experiências diferentes. São capazes de falar por muito tempo sobre temas que lhes agradam sem se darem conta do desinteresse do interlocutor. A linguagem é formal e monótona e tendem a focar detalhes”, descreve a especialista, criadora do C.A.S.A. (Clube de Amigos da Síndrome de Asperger), ligado ao Instituto de Psicologia da USP e que promove encontros sobre o tema.

Desde 2001, Leonardo integra a rede Asperger Brasil, no Yahoo, formada por pessoas acometidas pela síndrome, familiares e profissionais ligados ao transtorno. Em conversas diárias, “aspies” de todo o Brasil trocam experiências, descobertas e informações.

“Criei o Asperger Brasil porque percebi que o grupo “autismo” não atendia às necessidades de autoconhecimento dos áspergueres. A pessoa ásperguer não se encontra no mundo”, afirma o geólogo paulistano Argemiro Garcia, secretário da Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo).

“Somente quando entrei para o grupo e passei a pesquisar acerca da síndrome é que tive a certeza de tê-la. Lá, soube que meus problemas com sensibilidade do tato, sons, medos de ruídos, estereotipias (no meu caso, girar dedos, mãos e braços), peculiaridades na fala (eu repetia palavras) e até abordar pessoas estranhas para falar de assuntos de meu interesse eram característicos do autismo e da síndrome”, diz Leonardo. “Encontrei respostas para meu jeito de ser tão estranho, que eu sabia ser algo além de depressão ou ansiedade, que era o que os médicos diziam.”

Aos que enfrentam a síndrome, Leonardo aconselha: “Usem de seus meios para melhorar a socialização -psicólogos, grupos de ajuda, instituições que organizam eventos para fomentar a interação social e até mesmo a internet”.

Na vida adulta, continua ele, a dica é “tentar seguir áreas nas quais sejam talentosos e respeitar seus limites, mas não duvidem de suas capacidades”. E, aos pais, um pedido: “Jamais desistam de desenvolver as habilidades de seus filhos e sejam compreensivos quando começarem a ter responsabilidades”.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u673977.shtml

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